Saúde

Medicina muda e tem mais mulheres, negros e alunos de escolas públicas

27 de Dezembro de 2020 - Redação Pernambués agora
[Medicina muda e tem mais mulheres, negros e alunos de escolas públicas ]

RIO - Dia sim e outro também, Simone Lima precisa esclarecer a seus interlocutores a posição que ocupa em um dos melhores e mais exclusivos hospitais privados do Rio de Janeiro.

"Não, eu não sou a enfermeira", explica a uma pessoa. "O senhor precisa falar com um técnico de enfermagem, não comigo", recomenda, em outro caso. Também são comuns em sua rotina frases como: "Sim, eu sou a médica" e "O colega está passando o caso para um estudante, a médica sou eu."


Simone tem 50 anos e há mais de 20 trabalha como médica. Mesmo assim, ainda precisa se explicar todos os dias, sendo uma das raras intensivistas negras da rede privada do Rio. Agora, na crise da covid-19, trabalhando de touca, face shield, máscara e avental, a situação ficou ainda mais difícil. 

"Cansei disso. Aí, peguei uma dessas máscaras descartáveis, escrevi em letras bem grandes doutora Simone Lima e pendurei no pescoço, que é para ninguém mais ficar na dúvida", conta a médica. "O racismo existe sempre, é algo que vivenciamos todos os dias. Mas agora algo está mudando. A gente está começando a se ver nos lugares onde não se via. Outro dia mesmo, entrou aqui no hospital um neurocirurgião preto. Preto mesmo, que nem eu." 

A percepção de Simone está correta. Profissão normalmente associada a homens brancos oriundos de famílias abastadas, a Medicina está mudando de perfil, ainda que lentamente. De acordo com o estudo Demografia Médica, da Universidade de São Paulo (USP), mulheres, negros e pessoas vindas de famílias de baixa renda estão cada vez mais presentes nas faculdades, apontando para um futuro mais diverso da profissão.
Paralelamente à grande expansão quantitativa do ensino médico de graduação - foram 20 mil novas vagas nos últimos dez anos -, há transformações recentes nos perfis demográficos e socioeconômicos dos estudantes. Confirma-se, desde a graduação, a tendência de haver mais mulheres na profissão. Em 2019, elas já representavam 60% dos formandos, porcentual que vem aumentando nos últimos anos. 

Entre os períodos estudados, houve também uma alta gradual do porcentual de alunos autodeclarados pretos e pardos (negros): em 2013, eram 23,6%; em 2016, representavam 26,1% e, em 2019, somavam 27,7% do total. Segundo o IBGE, no ensino superior em geral, os negros já são 50% dos alunos, ainda um pouco abaixo do que sua presença no total da população brasileira, 56%. O porcentual registrado em Medicina ainda é bem menor do que a média dos cursos, mas a alta é significativa. 

Alunos oriundos de famílias de menor renda ou que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas também vêm sendo mais recorrentes nas salas de aula. A mudança foi maior nas graduações públicas - que hoje são a menor parcela do ensino médico no País. 

"As desigualdades ainda são grandes e a Medicina é um dos últimos cursos a promover essa maior inclusão social", explica o coordenador do estudo, Mario Scheffer, especialista em saúde pública da USP. "Ainda assim, é um ganho." 

Quando se formou, em 1998, na Faculdade Souza Marques, Simone era a única negra entre 200 alunos. Embora seu pai fosse oficial general da Aeronáutica e pudesse pagar o curso privado, não foi fácil chegar lá. Ela fez o ensino médio em uma escola de bairro e não tinha a bagagem necessária para entrar em uma universidade pública. Foram quatro vestibulares até passar. 

O sistema de cotas para alunos negros - implementado na UERJ desde 2003, mas na USP apenas no ano passado - é um dos maiores responsáveis pela inclusão. Mas isso não quer dizer que a vida dos alunos negros hoje seja mais fácil do que foi a de Simone. Os obstáculos ainda existem e é preciso muita obstinação para superá-los.


Simone tem 50 anos e há mais de 20 trabalha como médica. Mesmo assim, ainda precisa se explicar todos os dias, sendo uma das raras intensivistas negras da rede privada do Rio. Agora, na crise da covid-19, trabalhando de touca, face shield, máscara e avental, a situação ficou ainda mais difícil. 

"Cansei disso. Aí, peguei uma dessas máscaras descartáveis, escrevi em letras bem grandes doutora Simone Lima e pendurei no pescoço, que é para ninguém mais ficar na dúvida", conta a médica. "O racismo existe sempre, é algo que vivenciamos todos os dias. Mas agora algo está mudando. A gente está começando a se ver nos lugares onde não se via. Outro dia mesmo, entrou aqui no hospital um neurocirurgião preto. Preto mesmo, que nem eu." 

A percepção de Simone está correta. Profissão normalmente associada a homens brancos oriundos de famílias abastadas, a Medicina está mudando de perfil, ainda que lentamente. De acordo com o estudo Demografia Médica, da Universidade de São Paulo (USP), mulheres, negros e pessoas vindas de famílias de baixa renda estão cada vez mais presentes nas faculdades, apontando para um futuro mais diverso da profissão. 

Paralelamente à grande expansão quantitativa do ensino médico de graduação - foram 20 mil novas vagas nos últimos dez anos -, há transformações recentes nos perfis demográficos e socioeconômicos dos estudantes. Confirma-se, desde a graduação, a tendência de haver mais mulheres na profissão. Em 2019, elas já representavam 60% dos formandos, porcentual que vem aumentando nos últimos anos. 

Entre os períodos estudados, houve também uma alta gradual do porcentual de alunos autodeclarados pretos e pardos (negros): em 2013, eram 23,6%; em 2016, representavam 26,1% e, em 2019, somavam 27,7% do total. Segundo o IBGE, no ensino superior em geral, os negros já são 50% dos alunos, ainda um pouco abaixo do que sua presença no total da população brasileira, 56%. O porcentual registrado em Medicina ainda é bem menor do que a média dos cursos, mas a alta é significativa. 

Alunos oriundos de famílias de menor renda ou que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas também vêm sendo mais recorrentes nas salas de aula. A mudança foi maior nas graduações públicas - que hoje são a menor parcela do ensino médico no País. 

"As desigualdades ainda são grandes e a Medicina é um dos últimos cursos a promover essa maior inclusão social", explica o coordenador do estudo, Mario Scheffer, especialista em saúde pública da USP. "Ainda assim, é um ganho." 

Quando se formou, em 1998, na Faculdade Souza Marques, Simone era a única negra entre 200 alunos. Embora seu pai fosse oficial general da Aeronáutica e pudesse pagar o curso privado, não foi fácil chegar lá. Ela fez o ensino médio em uma escola de bairro e não tinha a bagagem necessária para entrar em uma universidade pública. Foram quatro vestibulares até passar. 

O sistema de cotas para alunos negros - implementado na UERJ desde 2003, mas na USP apenas no ano passado - é um dos maiores responsáveis pela inclusão. Mas isso não quer dizer que a vida dos alunos negros hoje seja mais fácil do que foi a de Simone. Os obstáculos ainda existem e é preciso muita obstinação para superá-los.

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