Mostra é baseada em fundamentos filosóficos, históricos e intelectuais presentes na Revolta dos Malês Foto: Gabriel Martins | Divulgação
Novembro, o mês da Consciência Negra, foi aberto em grande estilo na capital baiana com a exposição “Ecos Malês”, em cartaz na Casa das Histórias de Salvador. A mostra é baseada em fundamentos filosóficos, históricos e intelectuais presentes na Revolta dos Malês, reunindo 114 obras de 48 artistas.
A insurreição protagonizada por africanos muçulmanos, conhecidos como malês, em sua maioria haussás e nagôs, se destacou como um dos maiores e mais documentados movimentos de resistência escravista no Brasil, por sua intenção de libertar compatriotas escravizados e estabelecer um governo islâmico na Bahia.
A exposição reúne uma ampla variedade de obras, incluindo esculturas, pinturas, fotografias, gravuras, site specific de paredes de adobes, macumbas pictóricas, que é como o artista Cipriano se refere à própria obra, bandeiras, patuás e vídeo performance, divididas em três núcleos: Encontrar, Ruas da Revolta, e Inventar (Liberdade e Defesa).
Ao Portal A TARDE, o curador João Victor Guimarães explicou a concepção da exposição. “Fazendo pesquisa histórica nós percebemos que tinham vários elementos muito importantes e valiosos, vários pilares, e nós tivemos que estudar quais pilares seriam mais coerentes de apontar com pilares que resistiram ao tempo, sem que esse apontamento fosse desrespeitoso com as obras ou desrespeitoso com a história [...] Os malês defenderam a alma. A escravidão pode levar muita coisa, mas a fé no que toca a alma não”, afirmou.
Já Mirella Ferreira, responsável pela co-curadoria, destacou a principal ideia da mostra: a força do povo preto. “São muitos ecos, mas eu acho que o principal é o pensamento organizacional, intelectual, o agrupamento, o aquilombamento, a força do encontro por um motivo maior que é a liberdade e a fé. Eu acho que, dentre todas as formas de fé, a fé na ação de se movimentar e de lutar é o que mais me emociona”.
Núcleos da exposição
O primeiro núcleo, Encontrar, reflete o valor do encontro entre os malês para a organização do levante. A exposição destaca a importância do compartilhamento de informações e da construção de redes de apoio entre os participantes da revolta. De acordo com a curadoria, a Revolta dos Malês reuniu diferentes grupos de pessoas negras escravizadas e libertas em prol de um sonho por liberdade. Nesse sentido foi vitoriosa na medida em que conseguiu vencer as tecnologias separatistas do colonialismo que buscou destruir elos entre nações, famílias e semelhantes no processo de escravização. Ideal que pode ser identificado nas obras da artista Helen Salomão, que explora a intersecção entre identidade, afeto e laços familiares, especialmente a partir de sua experiência com o matriarcado na sua família.
O segundo núcleo, Ruas da Revolta, explora os ambientes onde a revolta ocorreu e dentre as obras apresentadas, está um mapa organizado pela equipe de pesquisa a partir do livro Um defeito de cor e atualizado com algumas informações históricas que não estavam presentes no livro. Este núcleo também apresenta artistas que vão pensar cidades, a exemplo de Rose Afefé, artista de Varzedo, no interior da Bahia, que volta a expor na capital baiana após 12 anos; Rose construiu Terra Afefé, uma "micro cidade" de três hectares na cidade de Ibicoara, na Chapada Diamantina, burlando várias burocracias e convenções financeiras, provocando a reflexão sobre arte, acesso, redistribuição de renda, reforma agrária, urbanismo e revolução.
Já o terceiro núcleo, Inventar (Liberdade e Defesa) aborda a busca dos Malês pela liberdade e o papel da resistência espiritual e religiosa. A curadoria entende que a Revolta dos Malês foi também em razão da necessidade de preservar a subjetividade e espiritualidade de uma parcela da população negra. Este núcleo inclui trabalhos de artistas como o estreante Karamujinho, com fotografia de gravuras feitas com Efun (ou a sagrada Pemba) sobre a pele e a artista baiana Jasi Pereira, do Engenho Velho da Federação, que, após expor esculturas em outros países, irá expor pela primeira vez um conjunto de gravuras sobre sua experiência de retorno à Salvador e ida a Luanda, em Angola, no ano passado. Inventar conta também com trabalhos do artista carioca Simba e colagens e vídeo performance da baiana Ventura Profana.
Autor de uma das obras expostas, Karamujinho explicou como pensou a ideia de "É difícil ser um deus". “Diante da Revolta dos Malês, eu trago simbologias através de três pigmentos litúrgicos, são pigmentos que evocam a proteção do corpo, então, por isso que eu trago o corpo e faço a pele como superfícies. Cada pigmento desse simboliza uma ave na tradição iorubá, então, o vermelho tem direção com o corpo, que atreve ao sangue, o branco com a espiritualidade, com essa coisa fluida, e o azul é o meio-termo entre eles dois, o corpo e o espírito”.
Serviços
Exposição: Abertura da Exposição Ecos Malês
Abertura: 01/11/2024, às 11h. Entrada gratuita no dia da abertura.
Período da exposição: 1° de novembro de 2024 a maio de 2025
Visitação: Terça a Domingo, das 9h às 17h (entrada até às 16h)
Local: Casa das Histórias de Salvador
Endereço: Rua da Bélgica, 2 – Comércio
Ingresso: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) - Venda na bilheteria da Casa das Histórias de Salvador ou na plataforma Sympla / Acesso gratuito às quartas-feiras (convenção municipal)
Ingresso único: Os visitantes também poderão visitar a Galeria Mercado (Subsolo do Mercado Modelo) com o mesmo ingresso.